terça-feira, 8 de abril de 2014

Amentação das Almas em Cantanhede e Ançã

A sufragação das Almas do Purgatório e dos entes queridos constituiu, desde sempre, uma preocupação dos vivos, que se retrata nesta tradição secular portuguesa da Amentação das Almas. 
A Quaresma para os católicos corresponde a um período de penitência e oração, de jejum e abstinência. A morte de Jesus Cristo na cruz e a sua ressurreição no domingo de Páscoa, ditaram uma fé ilimitada na vida além-túmulo, a qual nesta época é intensamente vivida. 
Segundo algumas recolhas, investigações e pesquisas efetuadas às tradições da Amentação das Almas em Ançã, o adro da Igreja Matriz foi sempre o local onde se reúnem para posteriormente partirem para todas as capelas e cruzeiros. Nesse adro, após as doze badaladas que são dadas pelos martelos no enorme sino, a cerimónia inicia-se a partir das 24h00 de todas as sextas feiras de Quaresma, e só depois do cerimonial no adro da Igreja é que o Grupo de Cantares de Amentação das Almas se desloca para o outro local predestinado. Após estar tudo devidamente preparado, o homem que tem a campainha inicia o toque com esse instrumento, dando assim sinal para um profundo silêncio que se segue, apenas interrompido pelas rezas e cantos que vão seguidamente desfilando pelos instrumentos e vozes. Neste contexto refira-se que um cântico é cantado “à capela” e o “miserere” com instrumental, composto para flauta, oboé, 2 clarinetes e saxofones alto, tenor e barítono, não se prevendo metais devido às sonoridades pretendidas. 
Depois de uma cuidada sequência que se faz sempre que se vai cantar a uma capela ou cruzeiro, o grupo segue em silêncio absoluto até ao local definido, efetuando-se aí a mesma sequência, mudando só a letra da música relativa ao santo(a). Relativamente ao “miserere” ou "tende misericórdia de mim, Senhor” é uma versão do salmo 5.0 feito pelo compositor italiano Gregorio Allegri durante o papado de Urbano VIII, provavelmente na década de 1630, e era executado na Capela Sistina durante as matinas, como parte do serviço exclusivo das trevas na quarta e sexta-feira da Semana Santa. 
Dando assim oportunidade à recriação deste rito cristão e à festividade popular, em que muitos cidadãos podem e devem partilhar desta milenar solenidade, torna-se necessário também criar as raízes necessárias, para que não se deixe extinguir esta secular tradição da Amentação das Almas que os nossos antepassados habilmente nos legaram. Nesta conformidade e após alguns ensaios, um grupo de ançanenses que teima em não deixar acabar a tradição, irá recriar e participar pelas 22h00 no Encontro de Cantares Quaresmais que se vai realizar no dia 12 em Cantanhede, numa organização do Grupo Cancioneiro de Cantanhede. É essa mesma tradição e as suas diversas variantes onde ainda se canta este ritual no nosso País que será recriada pelos Grupos de Cantanhede, Ançã, Bolho, Marvão, São Caetano, Mira e Comunidade de S. José (Franciscas, Lírios e Tarelhos), onde se pode apreciar este costume que aglutina o tradicional, o religioso, o profano e o musical. Ainda nesse dia após a chegada do grupo (24h00), irão também recriar a Amentação das Almas junto da Igreja Matriz na Vila de Ançã. 
(Texto enviado por Francisco Manuel Relva Pereira)

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