As queimadas de resíduos
agrícolas prejudicam a qualidade do ar, contribuindo para o
aquecimento global, e são um perigo para a saúde pública. As
conclusões são de um estudo da Universidade de Aveiro (UA) que,
pela primeira vez, estudou em Portugal as consequências para o
ambiente e para a saúde do fumo das queimadas ao ar livre
provenientes dos restos das podas de árvores.
“As queimas possuem um efeito
significativo na qualidade do ar a nível local e regional,
contribuindo para algumas das excedências aos valores limites
impostos na legislação”, aponta Célia Alves, investigadora do
Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, uma das unidades de
investigação da UA.
O estudo refere ainda que “a
influência no clima representa também um dos impactos das queimas
de resíduos agrícolas, devido à emissão de gases com efeito de
estufa e a sua consequente contribuição para o aquecimento global”.
Em relação à saúde humana, a
“inalação de fumo constitui um perigo”. Este é um alerta que
está a ser confirmado em laboratório com a exposição de células
do pulmão humano aos compostos químicos contidos nas partículas de
fumo emitidas: “A viabilidade celular, determinada através de um
ensaio colorimétrico que permite avaliar a atividade metabólica das
células, diminuiu com a exposição”. Em colaboração com o
Departamento de Biologia da UA, Estela Vicente, estudante de
doutoramento orientada por Célia Alves, está ainda a avaliar os
processos inflamatórios, o stress oxidativo e os danos genéticos em
células de pulmão humano quando expostas aos constituintes químicos
extraídos das partículas emitidas durante as queimas.
Centenas de compostos perigosos
A equipa centrou-se na análise
química detalhada das partículas e dos gases emitidos durante a
queima de ramos de videira, de oliveira, de salgueiro e de acácia.
No laboratório, a equipa da UA encontrou centenas de compostos
distintos, tais como hidrocarbonetos, álcoois, ácidos, açúcares,
esteróis, fenóis, metano, etano, etileno e formaldeído.
Apesar de não haver estatísticas
oficiais do número de queimas realizadas anualmente em Portugal,
Célia Alves estimou que a queima de vides representava uma emissão
total anual de 380 mil toneladas de Dióxido de Carbono, de 12 mil
toneladas de Monóxido de Carbono e de 3,3 mil toneladas de
partículas inaláveis.
Em relação aos valores para as
queimas os restos das podas das oliveiras, a investigadora estima uma
libertação anual para a atmosfera de 316 mil toneladas de Dióxido
de Carbono, de 18 mil toneladas de Monóxido de Carbono e de 3,4 mil
toneladas de partículas.
“Estas estimativas devem ser
tomadas como valores máximos, uma vez que uma parte dos resíduos
produzidos, apesar de minoritária, não é queimada”, explica a
cientista.
Resíduos podiam ajudar à
economia circular
Apesar dos resíduos de poda terem
potencial para serem convertidos em energia, “os altos custos de
transporte e processamento, a produção intermitente e os problemas
operatórios gerados durante a combustão em unidades de grande
escala, tornam a sua utilização economicamente inviável”. Também
a “presença de teores elevados de metais alcalinos nestes resíduos
origina normalmente emissões elevadas de partículas e gases ácidos
e a formação de incrustações e depósitos nas superfícies onde
ocorre transferência de calor”.
Assim, aponta Célia Alves, “devem
procurar-se soluções alternativas de pequena escala que representem
um nicho de oportunidade para as comunidades rurais”. A
transformação dos resíduos de poda numa “opção viável para
aquecimento residencial permitiria reduzir os custos energéticos,
tornando estas comunidades mais autossuficientes”, há semelhança
do que já acontece em autarquias rurais de alguns países onde têm
sido testadas e implementadas soluções direcionadas para a produção
de pellets para aquecimento doméstico. Antes da pelletização, os
resíduos são primeiro lixiviados com água para remover o excesso
de metais alcalinos e depois secos. O lixiviado pode ser usado para
rega, uma vez que é rico em nutrientes.
“Uma outra solução
implementada nalguns países consiste na recolha pelos serviços
municipais deste tipo de resíduos, na trituração em equipamentos
adequados e no encaminhamento para centrais de compostagem,
obtendo-se um material estável, rico em substâncias húmicas e
nutrientes minerais para adubar e melhorar as propriedades do solo”,
refere.
Ultimamente, diz, alguns grupos de
investigação têm-se dedicado também ao estudo da transformação
da biomassa residual de atividades agrícolas em biocarvão, através
do processo de pirólise lenta, e à introdução deste produto nos
solos. “Há indicações de que o biocarvão, para além de ser
sequestrador de Dióxido de Carbono, aumenta a matéria orgânica e
melhora a biologia do solo, a retenção de nutrientes e de água”,
explica Célia Alves.